4

Ferramentas para Análise Ambiental de Processos Químicos

 

 

 

 

 

 

Neste capítulo vão ser referidas de uma forma breve algumas das ferramentas mais notórias neste momento ao dispor da engenharia química para a análise ambiental de processos químicos. Dentro desta lista, será desenvolvida com especial destaque a ferramenta que serviu de inspiração para a segunda parte deste trabalho: o Waste Reduction Algorithm (WAR), por possuir potencialidades que se salientam, no que diz respeito à quantificação de impacte ambiental.

 

 

4.1 – Ferramentas

 

 

Desde a década de 80, a questão ambiental têm tido uma presença cada vez mais assídua nas principais revistas de engenharia química, como p. ex. a Computers & Chemical Engineering. De uma forma concisa, a lista das ferramentas mais notórias é a seguinte:

 

 

A) Projecto Molecular

 

*  CAMD (Computer Aided Molecular Design) [4.1-4.6] – Esta metodologia está a ser desenvolvida em vários centros académicos mundiais, mas com destaque para os investigadores Gani e Harper da Technical University of Denmark. Permite descobrir e seleccionar possíveis substitutos de substâncias nocivas presentes num processo. Alguns exemplos estudados até agora são os solventes e os fluidos térmicos. As estruturas moleculares são representadas em forma matricial, e as propriedades podem ser estimadas de acordo com métodos de contribuição de grupos. Por optimização MINLP, optimização estocástica, ou algoritmos genéticos, ou simplesmente por pesquisa numa base de dados de compostos, é possível chegar a uma molécula com propriedades funcionais semelhantes à substância a substituir, mas menos nociva ambientalmente. Actualmente, existe software dedicado a esta metodologia, no campo da substituição de solventes: Paris II, comercializado pela TDS, e o Green Chemistry Expert System da EPA (Environmental Protection Agency)

 

*  Reaction Path Synthesis [4.7] – Buxton, Livingston e Pistikopoulos, do Imperial College, apresentaram em 1997 uma metodologia para a geração de possíveis caminhos reaccionais conducentes a um determinado produto, em sínteses orgânicas. Para um dado produto, escolhe-se um rol de possíveis matérias de partida, e valores de estequeometria atractivos. Por optimização, e por representação lógica das possíveis transformações que cada grupo funcional pode sofrer numa reacção, são geradas matérias-primas auxiliares e várias sequências de passos de transformação que conduzem ao produto. Com um número de soluções pequeno é então possível analisar se a reacção é promissora economicamente e se existem compostos nocivos ou não.

 

 

B) Análise ambiental e revisão do projecto

 

*  LCA (Life Cycle Analysis) [4.8] – No que diz respeito ao ambiente este é um dos conceitos mais difundidos, mais aceites, e mais referidos nos meios científicos. Nasceu no seio da ecologia industrial, quando, nos anos 70, foram feitas auditorias energéticas nos EUA. A Análise de Ciclo de Vida é uma ferramenta que tenta identificar os impactes ambientais de um produto, serviço, ou processo em todas as fases da sua “vida”, oferecendo assim uma visão integrada das implicações que a sua existência pode trazer para o ambiente. Do esforço da SETAC (Society for Environmental Toxicology and Chemistry) americana e europeia, e da ISO (International Standards Organization) resultou um procedimento normalizado para a aplicação desta ferramenta. São necessárias 4 fases: estabelecimento dos objectivos do estudo e identificação das fronteiras; quantificação do uso e emissão de massa e energia no sistema; interpretação das consequências ambientais; avaliação de oportunidades de melhoria. A Análise do Ciclo de Vida está hoje incluída nas normas ISO 14000.

 

*  Termodynamic Framework for eco-PSE [4.9] – Apresentada em 2000 por Bakshi, da Ohio State University, esta metodologia pretende acrescentar à abordagem LCA a incorporação de produtos/serviços ecológicos. A hipótese de partida é a aceitação de que o crescimento, tanto de processos industriais como ecológicos, é limitado pela energia envolvente disponível e sua conversão em trabalho útil. Todos os produtos/serviços industriais são formas de energia solar porque provêm de recursos naturais e estes provêm da luz solar. Á medida que se avança na cadeia (sol ® plantas ® hervíboros/carvão ® predadores/electricidade), a quantidade de energia disponível (exergia) decresce, de acordo com a 2ª Lei da Termodinâmica (num processo irreversível a energia disponível para realizar trabalho é inferior à energia total disponível). Contudo, a capacidade de fazer diferentes tipos de trabalho aumenta. Jogando com estes conceitos é possível estimar em certos casos o custo ecológico de um processo químico.

 

 

C) Projecto macroscópico e avaliação de impacte ambiental

 

*  WAR (Waste Reduction Algorithm) [4.10] – Este algoritmo foi desenvolvido por Sikdar e Hilaly, investigadores da americana Environmental Protection Agency (EPA), em meados da década de 90. Compara, do ponto de vista ambiental, flowsheets alternativos de um processo. Para tal, recorre a medidas do impacte ambiental potencial relativo a cada um dos químicos envolvidos. Através de um balanço ao impacte ambiental, tendo o processo como sistema, é possível calcular o impacte associado a um determinado flowsheet.

 

*  MEIM (Methodology for Environmental Impact Minimization) [4.11] – Desenvolvida por Pistikopoulos, Stefanis e Livingston do Imperial College, em 1995, esta metodologia propõe a incorporação de optimização à abordagem LCA. Estanto definida a fronteira do sistema, tendo a descrição matemática das entradas e saídas e dos caudais de emissões, é possível encontrar o conjunto de valores operatórios óptimos que tornam mínimo um vector de medidas de impacte ambiental (ex: o caudal mássico de poluentes gasosos, o de poluentes em solução aquosa, o de sólidos, etc). Esta solução pode servir como “melhor solução ambiental” e ser comparada com a solução óptima economicamente.

 

 

 

4.2 – Algoritmo para Redução de Resíduos (WAR)

 

 

As primeiras ferramentas ambientais para processo datam da década de 70, altura em que foi introduzido o conceito de redes de tranferência de calor (heat exchange networks - HENs). As HENs surgiram como forma de minimizar o consumo energético de processos de produção. Alguns dos investigadores mais notórios nesta área foram Linnhoff, Shenoy, Gundersen e Naess. [4.12]

 

Na sequência deste conceito, surgiu, nos finais da década de 80, o análogo para a extensidade massa: redes de transferência de massa (mass exchange networks - MENs), sendo estas desenvolvidas por El-Halwagi e Manousiouthakis. A ideia principal era concentrar os poluentes em determinadas correntes, removendo-os de outras correntes. Esta técnica permite reduzir o volume de resíduos gerados no processo.

 

Na década de 90 assistiu-se ao aparecimento de algumas metodologias baseadas em HENs e MENs que tentam maximizar a eficiência destas duas técnicas de prevenção de poluição. Um dos livros publicados com maior visibilidade foi “Pollution Prevention through Process Integration” de El-Halwagi (1997).

 

Mas se estas duas técnicas permitem reduzir a quantidade de resíduos gerada no processo, apresentam uma lacuna qualitativa, ou seja, nenhuma delas considera o impacte da poluição. Imaginemos que, com esta técnica, se identificam duas opções de processo: uma que gera 100kg/h de resíduos e outra 200kg/h. Na verdade, a diferença entre o impacte ambiental da 1ª corrente e o da 2ª corrente pode justificar que a melhor opção seja a de 200kg/h. As primeiras considerações sobre a quantificação de impacte ambiental em ferramentas de análise de processos químicos surgiram na criação de uma metodologia que se tem vindo a tornar conhecido: o algoritmo WAR. [4.10]

 

Esta metodologia foi apresentada em 1994 por Hilaly e Sikdar da EPA (Environmental Protection Agency americana), e centrava-se num balanço à poluição gerada num processo, permitido localizar as substâncias poluentes no decurso do processo de transformação, que é uma das etapas do ciclo de vida, como se indica na figura abaixo.

 

 

Fig. 4.1 – Actuação do Algoritmo WAR no Ciclo de Vida.

 

Em 1997, foi apresentada uma alteração ao algoritmo, por Cabezas, Bare e Mallick. A alteração consiste num balanço ao impacte ambiental potencial (PEI - potential environmental impact), sendo a variável PEI um índice quantitativo.

 

Em 2000, o algoritmo WAR foi incorporado no simulador de processos ChemCAD.

 

O impacte ambiental potencial (PEI) de uma dada quantidade de matéria ou energia define-se como o efeito que esta matéria ou energia teria sobre o ambiente se fosse emitida. É um índice de natureza probabilística, ou seja, uma estimativa do efeito que esta emissão teria em termos médios. Trata-se portanto de uma quantidade conceptual que não pode ser medida directamente. Mas é possível construir uma teoria que relacione o impacte ambiental potencial com quantidades mensuráveis.

 

Tal como é usual fazer-se em engenharia química balanços mássicos e energéticos, também é possível efectuar um balanço ao impacte ambiental potencial. Este balanço também irá envolver a energia consumida pelo processo. Esta geração de energia pode considerar-se como uma unidade de geração de electricidade simples, de acordo com a figura 4.1.

 

Fig. 4.2 – Balanço mássico e energético global a uma instalação industrial. A linha a tracejado é a fronteira.

 

O balanço ao PEI diz que o impacte ambiental potencial pode sair e entrar no sistema:

 

 

(4.1)

Significado dos índices:

in – entrada

out – saída

gen - geração

cp – chemical process, processo químico

ep – energy process, processo de geração de energia

we – waste energy, resíduo energético

 

A variável Isistema é a quantidade de PEI dentro do sistema (sendo o sistema constituído pelo processo químico mais o processo de geração de energia).

são os caudais de entrada e saída de PEI no processo químico.

são os caudais de entrada e saída de PEI no processo de geração de energia.

são as saídas de PEI associadas aos resíduos energéticos que se perdem no processo químico e no processo de geração de energia.

é a caudal de PEI gerado no sistema.

é a criação e consumo de PEI pelas reacções químicas dentro do sistema.

 

No estado estacionário (para processos contínuos), o PEI dentro do sistema é constante, e o balanço toma a forma:

 

                  (4.2)

 

Esta expressão pode ser usada para gerar uma série de índices que caracterizam a eficiência ambiental interna e externa do sistema.

 

Para fazer uso da equação de estado estacionário (4.2) é necessário relacionar o PEI com quantidades mensuráveis. Mallick e Cabezas desenvolveram uma teoria linear que relaciona o PEI com quantidades como caudais de correntes, composições, e impactes ambientais específicos. As equações para o processo químico são:

 

                      (4.3)

                   (4.4)

                                       (4.5)

 

 

Onde :

 

 é o caudal de PEI que sai ou entra no processo químico.

 é o caudal de PEI na corrente j que pode ser um input ou um output.    

é o caudal mássico da corrente j, que pode ser um input ou um output.

 é a fracção mássica do componente k na corrente j.

 é o impacte ambiental potencial (PEI) da substância k.

é o caudal de PEI devido à emissão de resíduos energéticos.

é o caudal de energia residual emitida pelo processo químico.

 é o impacte ambiental potencial (PEI) da emissão de energia.

 

As equações (4.3) e (4.4) contêm apenas PEIs de substâncias puras. Desprezam portanto os efeitos combinatórios que a presença de várias substâncias numa corrente podem ter. Apesar de a energia emitida para o ambiente ter algum peso, as emissões de resíduos energéticos podem muitas vezes tomar-se como desprezáveis. Assim, Ywe=0. Isto é consistente com o facto de: as instalações de processos químicos não emitirem muita energia residual para o ambiente; para processos químicos, o PEI associado à massa possuir maior peso que o PEI associado à energia.

 

As equações para os processos de geração de energia são:

 

                                                                           (4.6)

       (4.7)

                                                                                      (4.8)

onde:

 

 é o caudal de PEI para dentro ou para fora do processo energético.

 é o caudal de PEI libertado na emissão de energia residual.

é o caudal de resíduos energéticos emitidos para fora do processo energético

 é o impacte ambiental potencial (PEI) da emissão de energia residual.

 

Especificamente dentro do processo de geração de energia, considera-se que, nas correntes de saída de energia, têm maior impacte ambiental aquelas que são em fase gasosas. Assim, no cálculo de , o somatório destas correntes é o maior contributo.

 

As equações (4.2) a (4.8) podem ser usadas para gerar índices que caracterizem a eficiência ambiental relativa do processo. Há dois tipos de índices: os associados com output de PEI e os associados com a geração de PEI.

 

De entre os índices associados com output, os dois mais importantes são o caudal total de output de impacte  e o output total de impacte por massa de produto .

 

                           (4.9)

                          (4.10)

onde é o caudal mássico do produto p, no somatório de todas as correntes.

 

De entre os índices associados à geração, os mais importantes são o caudal total de impacte gerado  e o impacte total gerado por massa de produto

 

(4.11)

(4.12)

 

Regra geral, estes índices serão tão mais baixos quanto mais elevada for a eficiência ambiental do processo, ou seja quão mais baixo for o impacte potencial que o processo probabilisticamente terá sobre o ambiente. Uma solução trivial para baixar os índices até zero é reduzir todos os caudais mássicos a zero, mas isso significaria não ter processo algum. O objectivo não pode claramente ser este, uma vez que existe uma procura pelo produto. O uso de índices também pode não ser aplicável em algumas situações: quando o produto é um intermediário que é directamente alimentado a outro processo dando origem a um novo produto, ou quando existe uma necessidade da sociedade tão grande por esse produto que o critério ambiental se torna desprezável (ex: apesar da quimioterapia ser altamente nociva à saúde humana, ninguém pensaria em proibi-la).

 

Para implementar o algoritmo WAR é necessário definir categorias de impacte ambiental quantificáveis. O impacte ambiental potencial total de uma substância k, Yk, pode determinar-se somando o PEI específico de cada categoria, , e é expresso em unidades de impacte ambiental de k por massa de k.

 

                   (4.13)

Onde al é a ponderação dada à categoria l que, normalmente, varia entre 0 e 10.

 

As categorias de impacte ambiental basearam-se num estudo de Heijungs, Guinee, Huppes, Lankreijer, Udo e Wegenersleeswijk de 1992. Há duas áreas principais: atmosférica e toxicológica.

 

Dentro da atmosférica contam-se:

GWP – global warming potential

ODP- ozone depletion potential

AP – acidification and acid-rain potential

PCOP – photochemical oxidation or smog formation

 

Dentro da toxicológica contam-se:

HTPI – human toxicity potential by ingestion

HTPE – human toxicity potential by inhalation or dermal exposure

ATP – aquatic toxicity potential

TTP – terrestrial toxicity potential

 

Para implementar o algoritmo WAR, recorre-se ao ChemCAD 4.0 ou 5.0. Este tem uma base de dados que possui valores de  normalizados dentro de cada categoria. Esta normalização tem duas razões: permite que valores de diferentes categorias tenham unidades semelhantes, de modo a serem usados na equação (4.13); garante-se assim que valores de diferentes categorias apresentem pontuações médias equivalentes.

 

Assim, o cálculo é feito do seguinte modo:

 

                      (4.14)

 

onde (score)kl é o valor da substância k numa escala arbitrária para a categoria l, e <(score)k>l é o valor médio de todas as substâncias na categoria l.

 

Os valores da base de dados nas várias categorias foram determinados a partir de estudos de Heijung de 1992.

 

Actualmente, esta base de dados possui mais de 1600 substâncias.

 

 

 

 

 

 

 

Bibliografia

 

[4.1] Gani, R. e Harper, P.; Computer Aided Product Design and Pollution Prevention through Substitution - Tools and Methods for Pollution Prevention, NATO Science Series 62; Kluwer Academic Press (1999).

 

[4.2] Constantinou, L. et al; Computer Aided Product Design – Problem Formulations, Methodology and Applications; Computers and Chemical Engineering 20 (1996), p. 685-699.

 

[4.3] CAPEC - Computer Aided Process Engineering Center, Department of Chemical Engineering, Technical University of Denmark: http://www.capec.kt.dtu.dk/

 

[4.4] Venkatasubramanian, V. et al; Computer Aided Molecular Design Using Genetic Algorithms; Computers and Chemical Engineering 18 (1994), p. 833-844.

 

[4.5] Paris II Software - http://www.tds-tds.com/

 

[4.6] Green Chemistry Expert System - http://www.epa.gov/greenchemistry/tools.html

 

[4.7] Buxton, A. et al; Reaction Path Synthesis for Environmental Impact Minimization; Computers and Chemical Engineering 21 (1997), p. S959-S964.

 

[4.8] Heijungs, R. et al; Life Cycle Assessment; United Nations Environment Program - UNEP, Paris, França (1996).

 

[4.9] Bakshi, B.; A Thermodynamic Framework for Ecologically Conscious Process Systems Engineering; Computers and Chemical Engineering 24 (2000), p. 1767-1773.

 

[4.10] Young, D. e Cabezas, H.; Designing Sustainable Processes with simulation: the waste reduction (WAR) algorithm; Computers and Chemical Engineering 23 (1999), p. 1477-1491.

 

[4.11] Pistikopoulos, E. et al; Minimizing the Environmental Impact of Process Plants: A Process Systems Approach; Computers and Chemical Engineering 19 (1995), p. S39-S44.

 

[4.12] Sikdar, S. e El-Halwagi, M.; Process Design Tools for the Environment; Taylor & Francis Publishing Company, E.U.A. (2001).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[ Custos e Impactes Ambientais no Projecto de Processos Químicos ]

[ Resumo ]

[ Âmbito do Trabalho ]   [ Enquadramento da Questão Ambiental ]   [ Indicadores para Análise Ambiental ]  

[ Ferramentas para Análise Ambiental de Processos Químicos ]   [ Projecto de Caminhos Reaccionais ]  

[ CASE STUDY - Produção de Etanol ]   [ Conclusões ]   [ Nomenclatura ]