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CASE STUDY – Produção de Etanol

 

 

 

 

 

Fig. 6.1 – Molécula de Etanol: C2H5OH.

 

Quem estuda engenharia química, às vezes espanta-se com certos pormenores.

 

Na percepção da pessoa comum, muitas vezes escapa a presença e a importância de uma determinada molécula. Se António Gedeão, poeta e químico, cantava as várias vidas da molécula de água, podemos também pensar na importância que uma molécula tão simples como a do etanol tem no mundo que nos rodeia.

 

O etanol (ou álcool etílico) é um líquido incolor (o ponto de ebulição é 78ºC), com cheiro característico, volátil, inflamável e solúvel em água. É utilizado como solvente no fabrico de tintas, lacas, vernizes e perfumes, como combustível e na preparação de produtos farmacêuticos. É ainda muito usado como desinfectante e é comercializado sob a forma de álcool etílico a 96%, isto é, uma mistura de 96 partes de álcool com 4 partes de água. É também usado como fluido térmico em termómetros abaixo dos -40ºC, por possuir um baixo ponto de fusão: -144,1ºC. É ainda produto de partida para várias sínteses orgânicas: por oxidação origina o acetaldeído e depois ácido acético, pode ser desidratado para dar éter e pode ser usado na síntese do butadieno, do qual se faz a borracha sintética. Tal como todos os álcoois, o etanol não existe livre na Natureza. O processo mais fácil de o obter é por fermentação alcoólica da glucose, havendo ainda processos de síntese a partir do etileno.

 

Fig. 6.2 – Mostras da presença do etanol no nosso mundo – circo, bebidas, transportes, culinária, cosmética, sínteses orgânicas, medicina.

 

Entre todas estas aplicações, há uma que se tem tornado cada vez mais importante. O facto de esta molécula ter 1 átomo de oxigénio torna-a num combustível de alta qualidade. A combustão é mais completa e as emissões de CO são menores.

 

Já em 1908 o etanol foi o combustível de eleição de Henry Ford, no emblemático carro Ford T.[6.8] Nas décadas subsequentes, a descoberta de poços de petróleo nos E.U.A. condicionou o desenvolvimento dos primeiros motores automóveis para o uso da gasolina, e mais tarde do diesel. Hoje conhecem-se os problemas ambientais associados a estas opções, a nível das emissões gasosas. Na década de 70, e devido ao embargo da OPEC, o etanol reemergiu num programa do Governo Federal Americano destinado a minorar a dependência do petróleo estrangeiro e a fomentar a economia agrícola. Desde os anos 80 até agora, tem-se difundido o uso de gasolina misturada com etanol um pouco por todo o mundo. Isto porque esta mistura pode ser usada em qualquer automóvel posterior a 1970, sem qualquer alteração no motor. Existem misturas pobres em etanol (E10 – 10% etanol e 90% gasolina) e misturas ricas (E85 – 85% etanol e 15% gasolina)

 

Algumas vantagens do etanol são:

 

- proveniência de fontes renováveis (o processo de fabrico mais frequente é a fermentação).

- menores emissões de gases de estufa como o monóxido de carbono (redução de 4% para o E10 e 37% para o E85). Isto é particularmente importante porque 50% dos gases de estufa na terra provêm da utilização automóvel.

- menor contributo para o smog, porque os gases de escape são menos reactivos e a formação de ozono de baixa altitude é menor (este ozono é prejudicial, ao contrário do ozono estratosférico, e responsável por problemas respiratórios humanos e das plantas).

- motores de combustão mais ecológicos, com menos depósitos.

- melhor performance do veículo, aumenta o nível de octanas (o E10 tem 94 octanas) e oxigénio, e a combustão dá-se a temperaturas menores (aliás, os veículos de alta competição usam etanol puro).

- menor dependência de reservas petrolíferas

- desenvolvimento económico rural.

- substitui compostos perigosos da gasolina, ex: benzeno, tornando-a mais segura ambientalmente: se a gasolina contaminar o solo ou água, o etanol é naturalmente biodegradável

 

Por cá, na Europa, a Comunidade Europeia tem advogado e promovido os biocombustíveis. Os Estados-Membros devem[6.9]:

 

1) assegurar a promoção de uma quota de mercado de 7% para os biocombustíveis em 2010;

2) encorajar a redução do diferencial de preços entre os biocombustíveis e os combustíveis tradicionais;

3) incrementar a promoção voluntária da distribuição dos biocombustíveis em larga escala pelas companhias petrolíferas;

4) intensificar os esforços de pesquisa neste sector.

 

De entre os biocombustíveis disponíveis contam-se: etanol e metanol, os seus derivados (ETBE – éter etil-tert-butílico e MTBE) e os ésteres metílicos de óleos vegetais (girassol, colza, etc.), sendo os primeiros utilizados em motores Otto de combustão e os segundos em motores Diesel.

 

O MTBE é um éter sintético usado desde 1979 nas gasolinas sem chumbo, podendo ter teores de 11%. É um oxigenante, contribuindo para a combustão mais completa da gasolina (aumenta o índice de octanas) e por isso leva a reduções nas emissões de poluentes atmosféricos, como o CO e alguns percursores do ozono. Hoje sabe-se que o MTBE é cancerígeno. Por outro lado, é altamente solúvel em água e pouco adsorvido pelo solo, migra muito rapidamente até às águas subterrâneas, contaminando zonas onde é captada a água doméstica. A sua utilização tem vindo, por isso, a ser abandonada. Em Portugal, ainda se usa, nas gasolinas Super Sem Chumbo 98 e Super Aditivada que contêm cerca de 4% de MTBE.

 

Fig. 6.3 – Abastecimento de Etanol.

Substâncias como o etanol apresentam-se então como uma alternativa. O biodiesel é largamente utilizado em vários países europeus, com especial relevância para França, Alemanha e Suécia, o mesmo acontecendo com o etanol no Brasil e EUA e o ETBE em França. Em Portugal, as condições de produção e utilização destes combustíveis encontram-se limitadas por uma série de barreiras.

 

Entre estas barreiras contam-se[6.9]:

 

- A escassez de terra disponível. Para adicionar 5% do etanol à gasolina consumida em Portugal, seriam necessários cerca de 500000ha de terra, consoante o tipo de matéria-prima considerada. Desde as imposições da PAC, apenas 10% das terras estão em pousio.

- Baixa produtividade agrícola: 0,7 ton/ha em Portugal, face a 1,3 em Espanha e 2 em França e Itália. Isto implica que em Portugal o biocombustível fique mais caro do que os combustíveis convencionais.

- Falta de incentivo fiscal, ao contrário do que se passa noutros países europeus com o biodiesel e nos EUA, Espanha e Suécia com o bioetanol.

 

No entanto, algumas destas barreiras serão ultrapassadas em breve. O etanol não é apenas uma substância com um papel importante no passado e no presente, é uma substância do futuro.

 

Se 70% da produção mundial vêm actualmente do continente americano, com destaque para o Brasil, a Europa terá de aumentar a sua produção significativamente para dar resposta às exigências da EU no que diz respeito aos combustíveis, que entrarão em vigor já em 2005. À França, Alemanha e Itália, juntar-se-ão outros países.

Fig. 6.4 – Evolução da Produção de Etanol nos EUA. [6.10]

 

 

 

6.1 – Processos Industriais de Produção de Etanol

 

Feita esta introdução, e antes de mais para nos situarmos, interessa saber agora quais os processos para a produção de etanol que se nos apresentam a nível industrial. Existem essencialmente três:

 

A) Hidratação Directa do Etileno

B) Hidratação Indirecta do Etileno

C) Fermentação

 

Processo A – Hidratação Directa

 

A simplicidade reaccional desta via contrasta vivamente com o nível de complexidade do processo. De facto, a reacção não podia ser mais simples:

 

Hidratação Directa

 

CH2=CH2 + H2O ® C2H5OH

 

 

Trata-se de uma reacção bastante exotérmica (DH2980=-45kJ/mol). Esta característica, aliada ao facto de se dar um aumento do número de moles, indicaria que as condições óptimas de operação correspondem a baixas temperaturas e elevadas pressões (em termos de equilíbrio termodinâmico). Sucede, no entanto, que boas velocidades de reacção se obtêm nas proximidades dos 300ºC e 70bar (tempos de residência baixos). A temperatura terá então de ser elevada, o que limita a taxa de conversão a valores tão baixos como 4%. Assim sendo, surge a necessidade de reciclar grandes quantidades de etileno. E como a reciclagem é intensiva, torna-se crítica a pureza da alimentação de etileno, caso contrário acumular-se-iam gases inertes. Neste ponto, uma preocupação a ter é a inexistência, na alimentação, de acetileno (C2H2), que poderia hidratar-se em acetaldeído. No que respeita a pressão, esta não pode subir muito acima do valor indicado, sob o risco de se assistir a uma polimerização do etileno. Esta reacção acelera-se com o auxílio catalítico (geralmente ácido fosfórico, H3PO4, num suporte de sílica). A operação conduz-se com um rácio de água para etileno à volta de 0,6. As matérias iniciais podem ser o petróleo, carvão, ou gás natural.

 

Fig. 6.5 – Produção Industrial de Etanol por Hidratação Directa do Etileno. [6.1]

 

Os gases libertados no reactor são condensados parcialmente, e sofrem um processo de scrubbing onde os vestígios de ácido fosfórico se neutralizam. Há um segundo arrefecimento, no qual condensa uma fracção de água/álcool. Depois de outro scrubbing com água e uma purga, os gases restantes são então comprimidos e reciclados. A mistura água/etanol é enviada para uma primeira coluna de destilação para remover componentes leves (éteres), e depois para uma segunda, onde se destila água e o azeótropo de etanol. Qualquer acetaldeído formado é convertido a álcool por hidrogenação catalítica com níquel. A selectividade do etanol em relação ao etileno é de 98,5%.

 

Processo B – Hidratação Indirecta

 

A hidratação indirecta é, dos três processos, aquele que tem sido abandonado em termos industriais. Baseia-se numa sequência de dois passos: esterificação e hidrólise. No entanto, a hidrólise dos ésteres sulfúricos origina, além do etanol, um subproduto: o éter dietílico, sendo esta uma grande desvantagem.

 

Esterificação

CH2=CH2 + H2SO4 ® C2H5O-SO3H

                       ou

2CH2=CH2 + H2SO4 ® (C2H5O)2SO2

 

 

Hidrólise dos

 ésteres sulfúricos

C2H5O-SO3H ® C2H5OH + H2SO4

                       ou

(C2H5O)2SO2 ® (C2H5)2O + H2SO4

 

Neste processo, o etileno diluído é posto em contacto com ácido sulfúrico 98% (w/w), em contracorrente numa coluna de absorção a 80ºC e a 1,3-1,5bar. A principal impureza do etileno é etano. A exotermicidade da reacção requer controlo de temperatura, que é feito com um sistema exterior de arrefecimento, e acompanhado por uma medição rigorosa dos volumes de reagentes em jogo. Os gases não absorvidos saem no topo como gases para combustão. Os esteres sulfúricos e éter dietílico absorvidos são então hidrolisados, e esta quantidade de água que entra em jogo baixa a concentração do ácido para 50%(w/w). Os produtos da hidrólise entram depois numa coluna de stripping, que na sua base direcciona o ácido sulfúrico para um ciclo de recuperação (concentração feita em evaporadores sob vácuo). Os componentes voláteis saem do topo da coluna e sofrem um processo de scrubbing com água ou soda cáustica diluída. O etanol é separado do éter dietílico por fraccionamento.

 

Fig. 6.6 – Produção Industrial de Etanol por Hidratação Indirecta do Etileno. [6.1]

 

Além da presença de um subproduto, este processo possui outras desvantagens. O uso de ácido sulfúrico é responsável por inúmeros problemas de corrosão, aos quais se somam os custos do ciclo de recuperação do ácido, que são um dos maiores encargos financeiros. Fica então claro o porquê do abandono desta via de produção.

 

Processo C – Fermentação

 

Este é, de facto, dos três processos o mais antigo. Tão antigo que, apesar da sua aplicação à escala verdadeiramente industrial datar de 1930, é um dos processos químicos que o Homem mais cedo descobriu. E se há 30 séculos os chineses destilavam o etanol a partir de licor fermentado de arroz, hoje em dia a fermentação é o processo industrial dominante (90% da produção mundial), e faz-se a partir de uma série de matérias-primas possíveis – açúcares (melaço, cana de açúcar, beterraba), amidos (milho, trigo, aveia, arroz, mandioca, batata doce, ervilha, feijão), celuloses (madeira, resíduos industriais ou agrícolas). Alguns dos microorganismos usados são as Saccharomyces cerevisiae e Zymonas mobilis.

 

As reacções em jogo são:

 

Açúcares

C12H22O11 + H2O ® 2 C6H12O6

C6H12O6 ® 2 C2H5OH + 2 CO2

 

 

Amido

[C6H10O5]x + x H2O ® x C6H12O6

C6H12O6 ® 2 C2H5OH + 2 CO2

 

 

Celuloses

C6H12O6 ® 2 C2H5OH + 2 CO2

 

Muito rapidamente, o exemplo de um processo de fermentação de açúcar é ilustrado na figura abaixo. A produção faz-se numa bateria de fermentadores que operam em contínuo. A corrente do 3º fermentador segue para um decantador que recebe a mistura que contém água, etanol, e óleo. O decantador liberta biomassa e proteínas. Desta corrente recircula-se 25% para o primeiro fermentador. Os restantes 75% são enviados para um filtro prensa que produz um composto rico em proteínas, o DDGS, que é vendido como ração animal. [6.2]

 

Fig. 6.7 – Produção Industrial de Bioetanol por Fermentação. [6.2]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[ Custos e Impactes Ambientais no Projecto de Processos Químicos ]

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